Uma em um milhão – parte 2

Leia antes a parte 1

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Peguei um barco para atravesar o Tejo, um trem e um metrô, e a todo torcedor benfiquense que encontrava eu perguntava sobre a necessidade do tal teste, se precisava mesmo, se eles tinham feito, onde dava para fazer, e todos confirmavam que o teste era obrigatório, e todos já tinham feito seus respectivos testes no dia anterior. Parecia que só eu não tinha essa informação prévia. E não, ninguém, sabia onde eu poderia fazer, ou se próximo ao estádio haveria algum lugar fazendo o teste.

Enfim cheguei acompanhando a massa à frente do estádio. Ainda tinha duas horas para conseguir o teste negativo. “Os guardinhas da estação vão saber, com certeza. ”

“Com licença, o senhor sabe onde posso fazer o teste anti-covid por aqui?”

“Aqui na estação não fazemos não senhor”

Há mais de um ano morando em Portugal e eu ainda tenho dificuldade com este modo de pensar português. Eu sempre me esqueço desta literalidade. “Aqui que eu digo é nos arredores no estádio, não aqui, na estação.”

“Ah, pois. Não sei não.”

Saindo da estação, parei no primeiro vendedor de camisas e adereços benfiquenses que vi. Esses caras são safos, sempre sabem de tudo, com certeza vai poder me apontar um lugar, sem erro.

“Não sei não senhor”, respondeu ele quando o indaguei. “Mas está vendo aquela luz verde ali?” – e apontou um ponto numa distância onde minha visão, especialmente por já ser de noite, não chegava.

“Sim, sim, estou vendo.”

” É uma farmácia. Quem sabe não estejam fazendo o teste ali?”

Agradeci e saí correndo, desviando de torcedores e de carros e de outros obstáculos, sem perder o foco da direção indicada, até que, enfim, vi ao longe a tal luz verde. Era sim uma farmácia, e uma enorme fila já me dizia o que eu mais queria ouvir. Só confirmei com uma das pessoas na fila. Sim, era a fila para fazer o teste anti-covid. Nunca fiquei tão feliz em entrar em uma fila grande, bem grande.

Mesmo assim eu sentia uma certa apreensão. Se tem algo que aprendi em Portugal é que nada aqui, nenhum documento ou atestado ou seja lá o que for é simples e fácil de se obter, muito menos tão simples e tão fácil como eu precisaria que fosse a obtenção desse teste. Eu precisava marcar horário no site da farmácia, daí então, tendo recebido o e-mail confirmando a marcação, eu deveria estar naquela fila, para retirar o ticket do vale-teste, e então entrar em outra fila, para só então efetivamente fazer o teste. E o resultado chegaria no meu e-mail. Isso tudo, com sorte, eu conseguiria fazer dentro da uma hora e pouco que faltava para começar o jogo.

E você acredita que eu consegui? Que o processo todo, apesar de várias etapas e filas, correu sem problemas? Em uma das etapas, inclusive, em uma das triagens para chegar nome, endereço, documento, etc., algo curioso aconteceu. A mulher disse meu nome, eu confirmei, e então disse meu bairro, que confirmei, no exato momento em que o rapaz do meu lado conbfirmava o nome e o bairro dele para outra atendente e, para a surpresa de nós quatro, constatamos que eu e ele tínhamos o mesmo nome e morávamos no mesmo bairro. “Não duvidaria que estamos sentados lado a lado no estádio”, brinquei.

Fiz o exame e saí em direção ao estádio ainda com tempo para tomar uma cerveja e comer alguma coisa, quem diria? Mandei uma mensagem para minha esposa dizendo “olha, foi tudo tão rápido, e simples, e deu certo, e o exame era gratuito, pago pelo governo, acredite!, que estou com medo. Não estou acostumado a ter tanta sorte, capaz do exame dar positivo.” Rirmos e ela me disse para aproveitar, e eu segui o conselho dela, e fui direto pegar uma cerveja num boteco cheio de animados torcedores benfiquenses. Peguei minha cerveja, que mesmo sendo em copo de plástico estava descendo uma delícia, e fiquei ali saboreando a cerveja e todo aquele clima pré-jogo. O Benfica precisava ganhar seu jogo e o Barcelona precisava perder o outro jogo, que acontecia no mesmo horário, para se classificar. Difícil? Sim. Impossível? Não. É por isso que são chamados de torcedores, afinal, não? Torcem sempre pelo melhor, mesmo que seja improvável. Foi quando meu telefone toca e eu atendo:

“Estou.” (“Estou” é o alô. Daquelas coisas que só morando no país você aprende)

“Senhor Paulo?”

” Sim, eu mesmo.”

“Aqui é fulana, da farmácia. O resultado do seu teste acabou de sair e deu positivo.”

“Cuméquié?”

(continua na parte 3)

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